Betânia (2024) e a mulher que se reinventa
Betânia, nome de uma das maiores cantoras deste país, significa “casa dos figos” e tem origem hebraica. É, além de nome de gente, nome de lugar: há até bairros e cidades inteiras com este nome. No filme “Betânia”, uma mulher chamada Betânia, parteira, nasceu em Betânia, um povoado nos Lençóis Maranhenses. E é para lá que ela volta, ainda que a contragosto, numa jornada pessoal.
Em menos de cinco minutos, o ciclo da vida completo é mostrado. Começamos com uma narração sobre os letreiros de produtores e festivais dos quais o filme participou. A narradora conta como foi assistir seu primeiro parto, com apenas 12 anos. O que se segue é festa com os créditos iniciais, e logo seguimos um homem uma casa adentro, chegando para um velório. Em todos os momentos, a música está presente.
Betânia (Diana Mattos) vive numa casa de pau a pique com o neto Antonio Filho (Ulysses Azevedo). O pai do menino trabalha com turismo numa cidade próxima e às vezes dá as caras por lá. Graças à energia solar, a luz elétrica começou a chegar na casa de Betânia — “começou” porque é preciso desligar o refrigerador à noite para ter luz no dia seguinte.
Um contratempo obriga Betânia e o neto a se mudarem para uma casa de tijolos, no povoado de Betânia, onde já moram sua filha e a neta, que vivem entre brigas. De repente, o recipiente de isopor cheio de sal para conservar os peixes frescos é substituído por idas a um mercado para comprar a “porcaria” das comidas congeladas. Realmente, a mudança representa uma série de desafios para Betânia.
Encontramos algumas situações familiares, como a mãe que diz para a filha que “batom vermelho não é de Deus”, a presença do cachorro da família na hora de cantar um “parabéns a você” estilizado, o pedido de bênção para a avó, a bebida estranha na festa junina, a família reunida ao redor da mesa com todos olhando só para seus respectivos celulares. É puro suco de Brasil, para usar uma expressão da internet — se é que ela já não está ultrapassada.
As metáforas visuais poderiam ser mais sutis. Acompanhando uma música sobre a mãe ser a única pessoa que não carrega ingratidão temos uma imagem de uma galinha esquentando seus pintinhos, enquanto filha e neta se despedem de Betânia para irem para suas casas. Enquanto Antonio Filho aprende na escola sobre ecologia e sustentabilidade, vemos pescadores enchendo suas redes de dejetos deixados por turistas. Concomitantemente, as novas amigas de Betânia contam como as dunas invadiram o rio, e o rio passou a invadir as casas do povoado.
Logo no começo do filme, ao redor de uma fogueira, Betânia conta como cantava bem seu falecido marido, e que ele não escrevia as canções, sabia todas de cabeça. Ele teve suas obras gravadas por gringos, que depois sequer ofereceram um DVD para a família como lembrança. O marido morrera, diz Betânia, por excesso de sal. Não cabe aqui analisar o fato consumado de que muito sal faz subir a pressão, entre outros males. Cabe ressaltar que o que ela dizia ao redor da fogueira pode ser resumido com o ditado popular muito verdadeiro “santo de casa não faz milagre”.
A música faz parte da vida dos brasileiros, e no Maranhão, como em todo o Nordeste, é variada e riquíssima. Há as emboladas cantadas por artistas populares, o espetáculo Bumba Meu Boi que aparece em momentos do filme, e a radiola, música próxima do reggae que é da preferência da neta de Betânia. Sobre a acolhida do filme e da cultura que ele retrata, o diretor estreante Marcelo Botta declara:
“Em todos os países por onde ‘Betânia’ passa, as plateias se encantam com as belezas naturais e culturais do Maranhão. O Bumba Meu Boi e a história da família de Dona Betânia mexem demais com as pessoas, não foi raro ver gente dançando na cadeira, rindo, gargalhando ou até mesmo chorando durante as exibições”
No ato final, a subtrama do genro de Betânia, Tonhão, guiando um casal de turistas franceses pelas dunas ganha destaque é é de fato interessante de se acompanhar. O elenco principal, formado por moradores locais e atores do Maranhão, merece elogios por darem o tom para um filme que, apesar de ser tão único, é também tão nosso.