As Primeiras (2025), de Adriana Yañez
Hoje ele vem ganhando espaço em competições como Olimpíadas e campeonatos próprios, incluindo uma Copa do Mundo, e também ganha visibilidade com transmissão dos jogos na TV aberta e a cabo. Ganha espaço também no coração dos torcedores. Mas você sabia que durante décadas o futebol feminino foi proibido por lei no Brasil? Entre a ditadura do Estado Novo Varguista dos anos 1940 e o fim da ditadura militar em 1985, a prática do esporte por mulheres era proibida por ser “um esporte incompatível com a natureza da mulher e prejudicial à maternidade”. Jornais da época estampavam manchetes alegando que “o football (sic) mata a graça da mulher”, segundo especialistas sempre do sexo masculino.
O decreto datado de 1941 matou as 15 equipes de futebol que existiam no país. Em 1988, um novo time pôde finalmente ser formado, majoritariamente por mulheres negras e suburbanas — nenhuma ênfase pejorativa nesses termos, apenas jogando a real. Isso significa que as pioneiras do esporte ainda estão aí, com menos de 70 anos, e disponíveis para contar diretamente suas histórias.
Marilza vende salgados na rua, mas na época era chamada de Pelezinha. Marisa treina um time de futebol de meninos, e na época não obteve apoio do pai para jogar. Maria Lucia, ou Fia, tem uma vendinha e na época dava entrevistas para jornalistas curiosos sobre seu estado civil. Rosilane, ou Fanta (imagem abaixo), hoje também treina pequenos jogadores, mas na época dividiu apartamento com outras futebolistas de origens distintas, que acabaram virando sua família. O mesmo caminho como treinadora foi trilhado por Leda, com a diferença de que seu time é de meninas. Essas cinco ex-futebolistas são o foco do documentário “As Primeiras”, e são filmadas tanto separadamente quanto em encontros cheios de nostalgia.
O preconceito contra as mulheres que jogavam futebol era comumente destilado na imprensa esportiva, não necessariamente por maldade mas muitas vezes por falta de noção, como com a declaração de que “não estamos vendo em campo muitas “gatinhas”. As mais bonitas abandonam o futebol na primeira”. Também talvez por uma falha no entendimento, as jogadoras recebiam uniformes desconfortáveis, com mangas muito longas. Faziam isso porque eram os exagerados anos 80 ou para mostrar pouco do corpo das moças? O documentário nunca deixa isso claro.
Algumas das jogadoras passaram pelo time do Bangu, propriedade do bicheiro Castor de Andrade. O jogo do bicho foi criado em 1892 pelo fundador do Zoológico do Rio de Janeiro para atrair mais visitantes para o local. A alta ocorrência de apostas envolvendo o novo jogo levou à sua proibição parcial em 1895 e total em 1946, quando foram proibidos todos os jogos de azar no país. Mesmo assim, o jogo subsistia principalmente no Rio e era até tema de filme, com a chanchada “…E o Bicho Não Deu” de 1958 com a dupla Ankito e Grande Otelo. Mas os bicheiros só começaram a ficar ricos mesmo durante a ditadura militar, envolvidos em esquemas corruptos ao lado de autoridades políticas e policiais, enquanto as escolas de samba que os bicheiros comandavam faziam sambas-enredo elogiando o regime.
Assim como os primeiros futebolistas, as primeiras jogadoras não ficaram ricas com o esporte — enriqueceram terceiros. Na verdade, quando fizeram um movimento exigindo direitos, começaram a não ser mais convocadas para jogar. Ademais, tinham outras preocupações: Marilza, por exemplo, relata sua luta contra o vício em drogas, tornada menos solitária graças à família, Deus e os amigos.
Se “As Primeiras” padece de algum mal, é da falta de foco. Não há um motivo por trás da filmagem que não seja reunir as ex-jogadoras e deixá-las falar livremente. Assim, não se tece uma trama única, mas sim são apresentadas reminiscências cheias de bom humor, ao invés de se fazer um documentário panfletário sobre as dificuldades de ser uma mulher jogadora de futebol no Brasil. Assim, mais que um filme sobre futebol, “As Primeiras” acaba sendo um filme sobre amizade.
A comparação com os jogadores de futebol masculino, na época tricampeão do mundo, era inevitável. Estamos há mais de 20 anos em busca do hexa, mas a comparação persiste. O país do futebol não precisa focar apenas nos 22 marmanjos correndo atrás de uma bola, como acontecia sempre há muito tempo. O público do esporte só tem a ganhar se voltar sua atenção para os jogos de futebol feminino e honrar nossas pioneiras já é um passo em direção à reparação histórica que elas e o esporte merecem.